Os hospitais de Roseana na UTI
ISTOÉ Independente
Fraudes em licitações colocam sob suspeita programa de construção de unidades de saúde da governadora do Maranhão, em um negócio de quase meio bilhão de reais
Claudio Dantas Sequeira -ESCÂNDALO
Relatório da Procuradoria de Contas aponta irregularidades na
licitação e pede a devolução de repasses feitos a empreiteiras
DENÚNCIA
Documento cita empresas envolvidas
Quem percorre o interior do Maranhão se
surpreende com a quantidade de esqueletos de grandes obras abandonadas e
expostas ao tempo. Várias delas estão em municípios humildes como
Marajá do Sena, Matinha e São João do Paraíso. São hospitais públicos
inacabados do programa Saúde é Vida, principal bandeira da campanha de
reeleição de Roseana Sarney (PMDB). Com apenas 12% do cronograma
cumprido desde que foi lançado há dois anos, o projeto já tem um custo
superior a R$ 418 milhões e corre o risco de virar mais um imenso
monumento à corrupção. Relatório da Procuradoria de Contas maranhense,
obtido com exclusividade por ISTOÉ, acusa o governo de fraudar o
processo licitatório, pede a devolução de parte dos repasses e a
aplicação de multa ao secretário de Saúde, Ricardo Murad, cunhado da
governadora. A investigação dos procuradores Jairo Cavalcanti Vieira e
Paulo Henrique Araújo, a partir de representação do Conselho Regional de
Engenharia, Arquitetura e Agronomia do Maranhão, revela um cipoal de
irregularidades e mostra como o governo beneficiou empreiteiras que
depois abasteceram o caixa de campanha do PMDB com mais de R$ 2 milhões.
Os problemas começaram no segundo semestre de 2009, quando o governo de Roseana resolveu lançar o Saúde é Vida. Mesmo sem previsão orçamentária, a governadora conseguiu incluir o programa no Plano Plurianual e entregou sua execução ao cunhado. Murad, alegando urgência, contratou sem licitação a empresa Proenge Engenharia Ltda. para a elaboração dos projetos básico e executivo. Os procuradores descobriram que, na verdade, o projeto básico já tinha sido elaborado por técnicos da própria Secretaria de Saúde. A mesma Proenge venceu, logo depois, um dos lotes da concorrência 301/2009 para a construção de 64 hospitais de 20 leitos. O edital da obra indicava que as empreiteiras vencedoras deveriam elaborar o projeto executivo dos hospitais. Ou seja, a empreiteira acabou recebendo duas vezes para prestar o mesmo serviço. No total, a Proenge recebeu R$ 14,5 milhões. Para os procuradores do TCE maranhense, que questionam o caráter emergencial da contratação, “os valores pagos à empresa Proenge constituem lesão ao erário e devem ser objeto de ressarcimento”. Eles calcularam em R$ 3,6 milhões o total que deve ser devolvido.
As ilegalidades não param aí. A construção dos hospitais de 20 leitos foi dividida em seis lotes, mas três deles simplesmente não entraram na licitação. Foram entregues a três empreiteiras diferentes: Lastro Engenharia, Dimensão Engenharia e JNS Canaã, que receberam quase R$ 64 milhões em repasses e nem sequer construíram um hospital. A JNS Canaã é um caso ainda mais nebuloso. Os procuradores afirmam que a empreiteira, filial do grupo JNS, teve seu ato constitutivo arquivado na Junta Comercial do Maranhão em 24 de novembro de 2009, dias antes de fechar contrato com o governo. A primeira ordem bancária em nome da JNS saiu apenas quatro meses depois, em 16 de abril de 2010. Sozinha, a empresa recebeu R$ 9 milhões, não concluiu nenhum dos 11 hospitais e teve seu contrato rescindido por Murad. Antes, porém, a mesma JNS doou R$ 700 mil para a campanha de Roseana, por meio de duas transferências bancárias, uma de R$ 450 mil para a direção estadual do PMDB e outra de R$ 300 mil para o Comitê Financeiro, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral.
Os problemas começaram no segundo semestre de 2009, quando o governo de Roseana resolveu lançar o Saúde é Vida. Mesmo sem previsão orçamentária, a governadora conseguiu incluir o programa no Plano Plurianual e entregou sua execução ao cunhado. Murad, alegando urgência, contratou sem licitação a empresa Proenge Engenharia Ltda. para a elaboração dos projetos básico e executivo. Os procuradores descobriram que, na verdade, o projeto básico já tinha sido elaborado por técnicos da própria Secretaria de Saúde. A mesma Proenge venceu, logo depois, um dos lotes da concorrência 301/2009 para a construção de 64 hospitais de 20 leitos. O edital da obra indicava que as empreiteiras vencedoras deveriam elaborar o projeto executivo dos hospitais. Ou seja, a empreiteira acabou recebendo duas vezes para prestar o mesmo serviço. No total, a Proenge recebeu R$ 14,5 milhões. Para os procuradores do TCE maranhense, que questionam o caráter emergencial da contratação, “os valores pagos à empresa Proenge constituem lesão ao erário e devem ser objeto de ressarcimento”. Eles calcularam em R$ 3,6 milhões o total que deve ser devolvido.
As ilegalidades não param aí. A construção dos hospitais de 20 leitos foi dividida em seis lotes, mas três deles simplesmente não entraram na licitação. Foram entregues a três empreiteiras diferentes: Lastro Engenharia, Dimensão Engenharia e JNS Canaã, que receberam quase R$ 64 milhões em repasses e nem sequer construíram um hospital. A JNS Canaã é um caso ainda mais nebuloso. Os procuradores afirmam que a empreiteira, filial do grupo JNS, teve seu ato constitutivo arquivado na Junta Comercial do Maranhão em 24 de novembro de 2009, dias antes de fechar contrato com o governo. A primeira ordem bancária em nome da JNS saiu apenas quatro meses depois, em 16 de abril de 2010. Sozinha, a empresa recebeu R$ 9 milhões, não concluiu nenhum dos 11 hospitais e teve seu contrato rescindido por Murad. Antes, porém, a mesma JNS doou R$ 700 mil para a campanha de Roseana, por meio de duas transferências bancárias, uma de R$ 450 mil para a direção estadual do PMDB e outra de R$ 300 mil para o Comitê Financeiro, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral.
FAVORECIMENTO
Roseana e Ricardo Murad (à esq.), em inauguração
de hospital: eles beneficiaram empreiteiras
Para o deputado Domingos Dutra (PT), os problemas no programa Saúde é Vida vão além do anotado pelos procuradores. Um levantamento das ordens bancárias de 2010 mostra uma série de repasses redondos que, segundo Dutra, “indicariam a prática de caixa 2 para abastecer a campanha de Roseana.” A Dimensão Engenharia, por exemplo, recebeu R$ 1 milhão em 19 de julho. Três dias antes, a empreiteira Console apresentou fatura de R$ 2 milhões. No mesmo dia, o governo pagou mais R$ 1 milhão à Geotec e R$ 1,5 milhão à Guterres, que no dia 22 recebeu mais R$ 500 mil. A JNS teve três repasses redondos: R$ 300 mil e R$ 50 mil em 16 de abril e R$ 1,5 milhão em 16 de julho. A Lastro teve um repasse de R$ 1,5 milhão; a Proenge, dois repasses de R$ 600 mil e R$ 300 mil; e a Ires Engenharia, um pagamento de R$ 1 milhão. “Nenhuma empresa emite nota fiscal pela prestação de serviços com números redondos”, afirma Dutra. “Geralmente são valores fracionados, até em centavos, como vemos nas dezenas de outras ordens de pagamento.” O parlamentar encaminhou petição ao Ministério Público Federal e à Controladoria-Geral da União.
Além dos indícios de corrupção e do uso das obras para angariar dividendos políticos, o deputado federal Ribamar Alves (PSB) ataca a concepção do Saúde é Vida, que, segundo ele, contraria determinações do próprio Ministério da Saúde sobre a construção de hospitais em cidades com menos de 30 mil habitantes. “Essas prefeituras não têm dinheiro para a manutenção desses hospitais nem médicos suficientes ou demanda”, afirma. Ele estima em R$ 500 mil o custo mensal para a manutenção dessas unidades, valor acima da soma dos repasses do Fundeb, do SUS e do Fundo de Participação dos Municípios. “Sem gente nem dinheiro, esses hospitais vão se transformar em imensos elefantes brancos”, diz Alves. O parlamentar lembra que a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara aprovou requerimento do deputado Osmar Terra (PMDB/RS) para convidar Murad a prestar esclarecimentos sobre o programa e outros problemas na área da saúde. “Ele tem muito o que explicar”, afirma. Procurado por ISTOÉ, o secretário de Saúde do Maranhão não se manifestou até o fechamento da edição.
Julgamento da Boi Barrica provoca mal-estar no STJ
O julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que anulou as provas
da Operação Boi Barrica tramitou em alta velocidade, driblando a
complexidade do caso, sem um pedido de vista e aproveitando a ausência
de dois ministros titulares da 6.ª turma. O percurso e o desfecho do
julgamento provocam hoje desconforto e desconfiança entre ministros do
STJ.
Uma comparação entre a duração dos processos que levaram à anulação de
provas de três grandes operações da Polícia Federal - Satiagraha,
Castelo de Areia e Boi Barrica - explica por que ministros do tribunal
reservadamente levantam dúvidas sobre o julgamento da semana passada que
beneficiou diretamente o principal alvo da investigação: Fernando
Sarney, filho do senador José Sarney (PMDB-AP).
A mesma 6.ª Turma que anulou sem muitas discussões as provas da
Operação Boi Barrica levou aproximadamente dois anos para julgar o
processo que contestou as provas da Castelo de Areia. O processo de
anulação da Satiagraha tramitou durante um ano e oito meses no STJ.
O relator do processo contra a Operação Boi Barrica, ministro Sebastião
Reis Júnior, demorou apenas seis dias para estudar o processo e
elaborar um voto de 54 páginas em que julgou serem ilegais as provas
obtidas com a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico dos
investigados. E de maneira inusual, dizem ministros do STJ, o processo
foi julgado em apenas uma sessão, sem que houvesse nenhuma dúvida ou
discordância entre os três ministros que participaram da sessão.
O recém-empossado Marco Aurélio Bellizze, da 5.ª Turma, foi convocado
para completar o quórum e viabilizar o julgamento. Juiz de carreira, ele
contou com o apoio do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), durante a
disputa pela vaga no STJ.
Senadores que sabatinaram Bellizze afirmam que ele contou ainda com a
articulação de Sarney para acelerar sua aprovação no plenário do Senado.
A oposição estava barrando a sabatina do procurador-geral da República,
Roberto Gurgel. Enquanto ela não fosse feita, a indicação de Bellizze e
de outro ministro do STJ - Marco Aurélio Buzzi - ficaria parada.
Senadores disseram ter recebido apelos de Sarney para que liberassem a
pauta e aprovassem Bellizze e Buzzi.
Os outros dois titulares da turma decidiram não participar do
julgamento. Maria Thereza de Assis Moura se declarou impedida. Og
Fernandes havia se declarado suspeito e também não participou desse
julgamento.
Ministério Público - Ao anular a quebra de sigilo
bancário e fiscal do empresário Fernando Sarney na Boi Barrica, o STJ
desprezou o parecer do Ministério Público e as decisões do Tribunal
Regional Federal e da Justiça de primeira instância. Esses três órgãos
aceitaram como prova o relatório do Conselho de Controle de Atividades
Financeiras (Coaf), que apontou indícios de crime em três movimentações
financeiras atípicas, no montante de 2 milhões de reais, feitas pelo
empresário e sua mulher, Cristina Murad, em 2006.
O Relatório de Inteligência Financeira (RIF), cuja importância foi
minimizada pelo STJ, faz parte da rotina policial em todo o País e
compõe mais de 80% dos inquéritos que envolvem crimes financeiros. A
comunicação do Coaf foi feita em 1.º de novembro de 2006 e ensejou a
abertura do inquérito, reforçado mais tarde por outras provas, como os
diálogos telefônicos interceptados com ordem judicial e documentos
apreendidos. O dinheiro, segundo o relatório, foi sacado em uma
factoring ligada à família Sarney às vésperas do segundo turno da
eleição para o governo do Maranhão, vencida por Roseana Sarney, irmã de
Fernando.
Previsto na Lei 9.613, de 1998, que tipifica o crime de lavagem de
dinheiro, o RIF é prática rotineira nos inquéritos sobre crimes
financeiros, como lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, desvio de verba
pública e corrupção. Pela assessoria, a PF informou que, por norma
operacional, usa o relatório do Coaf como parte do conjunto de provas
dos seus inquéritos, mas não única.
Pela lei, bancos, cartões de crédito, factorings e demais instituições
financeiras são obrigadas a comunicar ao Coaf qualquer transação acima
de 100.000 reais e também movimentações consideradas atípicas. A medida
vale também para imobiliárias e estabelecimentos comerciais que fazem
transações com altos valores, como lojas de joias e loterias.
O Coaf faz então um filtro mais acurado e, quando identifica indícios
de crime, comunica ao Ministério Público e à Polícia Federal. A PF, por
sua vez, cruza o dado recebido com seu banco de dados criminais para ver
se há inquérito aberto ou outra informação que, em conjunto, motive o
aprofundamento da investigação. As demais comunicações ficam arquivadas
no Coaf para futuras requisições. A jurisprudência dos tribunais, tanto
superiores como de primeiro e segundo grau, aceitam o RIF como prova,
mas muitos o rejeitam como elemento exclusivo da investigação
Outro lado - "Neste
julgamento, assim como em qualquer outro do qual participei ao longo dos
meus mais de 20 anos de magistratura, proferi meu voto por considerar
que os elementos colocados no processo eram claros o suficiente para
balizar meu entendimento", argumentou Bellizze. "Não guio os meus votos
por influências políticas. Por isso, não considero que minha isenção
esteja em questão."
(com Agência Estado)
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