Após
12 anos de regime chavista, a Venezuela é, ao lado de Cuba, a nação do
continente mais prostrada por uma terrível crise decorrente da aplicação
do socialismo. Seu veneno vai penetrando em quase todas as demais
nações e produzindo nelas outras crises menores que, se não forem
detidas, crescerão no rumo daquelas que as suscitaram. O que ficaria de
pé na Ibero-América com uma dezena de incêndios simultâneos em tantos
outros países?
Alfredo Mac Hale
O quadro da esquerdização forte e galopante da Ibero-América, descrito por nós várias vezes nos últimos anos, nas páginas de Catolicismo, recentemente acentuou-se muito, impondo profundos receios pelos seus efeitos sobre o Continente.
Numerosos e expressivos são os fatos nesse sentido: a substituição, na
Colômbia, do notório anticomunista Álvaro Uribe – que enfrentou com
denodo a escalada guerrilheira e a prepotência chavista – por Juan
Manuel Santos, até então seu mais fiel seguidor e que, uma vez eleito,
vem se mostrando muito mais dialogante e concessivo com a esquerda que
seu antecessor; a vitória, sob os auspícios de Lula da Silva e sem
autêntica oposição, de Dilma Roussef para a Presidência do Brasil,
através da qual se procura alcançar uma hegemonia sem contrapeso do PT
neste imenso País; a eleição para a Presidência do Peru de Ollanta
Humala, que durante muitos anos ostentou uma posição marxistoide,
atenuada um tanto entre o primeiro e o segundo turno da referida
eleição, com a finalidade exclusiva de ganhá-la, iludindo a oposição e a
opinião pública; a forte agitação que sacudiu o Chile nos últimos
meses, debilitando e colocando em dificuldade o governo de Sebastián
Piñera, que não dispõe de maioria parlamentar nem condições de recorrer
sistematicamente a medidas de força para manter a ordem pública; a
perspectiva de que no México, para substituir o atual presidente Felipe
Calderón, seja eleito no próximo ano algum dos líderes do Partido
Revolucionário Institucional (PRI), como o ex-governador da capital,
Enrique Peña Nieto, com o que se reiniciaria o domínio dessa agrupação
fortemente socialista e pouco apegada às normas do Direito; o risco de a
Presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, vir a
reeleger-se nas eleições de fins de outubro, reiniciando assim o galope
rumo à esquerda.
Sem temor a exagero, poderíamos dizer que, embora quase tudo se tenha
agravado, a situação continental não se tornou desesperada, porque, por
motivos alheios à vontade da esquerda, seus líderes se viram forçados a
se mostrarem “moderados” nas vésperas das eleições, sob pena de
perdê-las. Foi o que se viu, por exemplo, de modo gritante, no Brasil e
no Peru. Entretanto, como veremos, passadas as eleições – e até mesmo
antes de assumir o poder – os “moderados” as vezes voltam a assumir
discurso radical. Nessas condições, se não houver reações vigorosas em
todo o Continente, os “moderados” se radicalizarão, e os que já são
radicais terminarão dominando.
Observa-se de outro lado, como regra geral, as forças de esquerda
mostrarem-se implacáveis opositoras em relação aos que não partilham de
sua orientação, enquanto estes, para não ser qualificados de
reacionários, procuram ser condescendentes e neutros em face do
adversário. Beneficiam assim a esquerda, porquanto a opinião pública
fica com a sensação de que de um lado há segurança e de outro
debilidade, e em consequência a nação é arrastada rumo à esquerda,
embora a maioria não esteja de acordo com essa tendência.
Excluindo de nossa análise o Brasil, pelo fato de sua situação ser bem conhecida dos leitores de Catolicismo, cuidaremos
aqui da situação de algumas nações sul-americanas, deixando outras para
setembro, a fim de apresentar um quadro de conjunto, se não exaustivo,
pelo menos ilustrativo.
Após 12 anos de governo que poderia se qualificar de semi-ditatorial, a doença de Chávez pode colocar em xeque seus planos expansionistas |
Venezuela, na vanguarda rumo ao caos
Como já vimos em outros artigos, o protótipo desta situação é a
Venezuela de Hugo Chávez, que há 12 anos estabeleceu ali um regime a
respeito do qual o mínimo que se pode dizer é ser semi-ditatorial. Eis
um rápido elenco dos epítetos aos quais o incendiário presidente faz
jus: cúmplice e promotor da tirania cubana, marxista obsessivo, opressor
de todas as classes, demolidor da riqueza, do bem-estar e da sã
convivência dos venezuelanos; promotor da violência política e
subversiva, tanto na Venezuela como em nações vizinhas; ufano das
expropriações e dos confiscos maciços; brutal e sem escrúpulos, apesar
de apresentar-se às vezes bonacheirão; desrespeitador das leis,
inclusive das ditadas por ele; camaleão, declarando-se ora
“democrático”, ora revolucionário, sua norma suprema é o arbitrário
jactancioso e intempestivo do momento.
É claro que os delírios autolaudatórios do ditador, amiúde muito
próximos da paranóia, por serem de intensidade variável, são tomados
pela população venezuelana de modo também variável: às vezes com
profunda recusa por seus incontáveis abusos, mas com frequência também
de modo jocoso e burlesco, pelas expressões ridículas e grotescas que
Chávez adota. Com isso se diluem a indispensável seriedade e a
consequente combatividade da oposição.
Chávez dilapidou a riqueza pretrolífera da Venezuela, usando o dinheiro para promover a sua “revolução bolivariana” por toda Ibero-América |
Em outros termos, o déspota socialista sabe para que rumo vai: o do
comunismo sem dissimulações. E não dá importância às razões – leis,
princípios, normas de convivência civilizada, etc. – para deter-se. De
modo que avança sem cessar, retrocedendo somente quando é forçado.
Enquanto isso a oposição, fracionada e sem suficiente zelo pelas normas
violadas, sem afirmatividade sobre o tipo de sociedade que ela deseja em
contraposição ao desvario governista, não tem um consenso fogosamente
contrário à demolição. Limita-se então a idéias comuns às várias forças
antichavistas, o que se traduz em afirmações frouxas de princípios
evidentes e não atrai o apoio do restante da opinião pública.
Caso não se tenha uma visão das proporções do incêndio propagado por
Chávez, nem dos perigos dele decorrentes, não se terá uma idéia clara
dos sacrifícios que é preciso fazer para apagá-lo. Sem isso não se
arrastará senão uma fração dos que poderiam combatê-lo, mobilizando-os
apenas parcialmente para a magna empresa.
Iniciando pelo aspecto econômico, e para dar dele uma noção cabal, vale
a pena recordar que nos últimos 12 anos o regime chavista dilapidou
centenas de bilhões de dólares, mais que a soma do que o país auferiu em
várias décadas com o petróleo! Segundo cifras do Banco Central da
Venezuela, os ingressos petrolíferos somam 700 bilhões de dólares desde
que Chávez assumiu a presidência. E “isso excede os ingressos petrolíferos da Venezuela dos 25 anos anteriores” (cfr. André Oppenheimer, O milagre venezuelano, “El
Nuevo Herald”, Miami, 30-6-11). Pois bem, uma vez dilapidada essa
imensa riqueza, a Venezuela está em situação muito pior do que no começo
do processo.
Mulher protesta em Caracas, depois que o governo de Chávez anunciou o fechamento de 34 emissoras de rádio e dois canais de TV por supostas irregularidades administrativas. |
Soma-se a isso a destruição e deterioração do aparelho produtivo,
devido aos confiscos, à agitação, ao coletivismo, às torpezas da
burocracia socialista, à galopante delinquência que domina o país, à
inflação mais alta da América, à falta de inversão – pois ninguém está
disposto a arriscar mais recursos que os já comprometidos –, ao caos
dominante em todos os âmbitos; só para nos referirmos ao lado material.
Para além deste, cumpre considerar as energias gastas pelo país num
conflito estéril e intérmino; as frustrações que isto causa em todos os
venezuelanos de bem e as audácias demolidoras a que se sentem convidadas
pela impunidade as hordas chavistas, incluídas as milícias; o êxodo de
talentos e de capitais ao exterior por falta de futuro no país; o
desânimo das forças vivas, a multiplicidade dos conflitos, a abundância e
gravidade dos perigos; a inoperância – quando não a cumplicidade com o
delito – da administração da justiça e o amordaçamento dos meios de
comunicação para privar a opinião pública de informação e de meios para
se expressar, etc.
Tal panorama comporta aspectos que mais parecem um pesadelo surrealista
que a vida de uma nação real. É o que se deu com a rebelião
violentíssima das máfias de presos nos cárceres, que mantiveram a imensa
maioria dos condenados como reféns durante várias semanas sem que o
regime atinasse a encontrar uma solução. São os contínuos cortes de luz
elétrica, em diversas regiões do país, atribuídos pelo governo a
problemas climáticos quando é óbvio que a causa é sua própria
incompetência técnica e administrativa. É a escalada delituosa mais alta
da América do Sul, com 48 assassinatos anuais a cada 100 mil
habitantes. É a dilapidação dos fundos públicos em benefício do
chavismo, para que este domine a nação e se expanda pelo Continente.
Para a Revolução, uma surpresa e muita incerteza
Os protestos na Venezuela fazem parte do dia-a-dia da população |
Esse era, até há pouco mais de um mês, o panorama da vida venezuelana,
por efeito do regime que a oprime. De repente, após alguns vai-e-vens de
desinformação, deu-se primeiro o rumor e depois a notícia da doença que
afeta Hugo Chávez. Este, pelo estado de abandono em que se encontra o
sistema hospitalar público venezuelano, bem como pelo temor e desprezo
que vota às clínicas privadas de seu país, optou por fazer-se examinar e
operar em Cuba, a Meca dos xiitas do comunismo sul-americano falsamente
apresentada pelas esquerdas como possuidora de uma medicina “digna do
Primeiro Mundo”.
Entretanto, após duas cirurgias – uma, segundo tudo indica, errada,
feita por cubanos, e outra, na aparência mais certeira, que durou seis
horas e foi realizada pelo cirurgião espanhol que cuidou da ruína
ambulante Fidel Castro –, foram dados à publicidade um diagnóstico –
câncer –, e um tratamento em relação ao qual o regime não especifica
quase nada, omitindo que órgãos foram afetados, qual o tempo de
desenvolvimento do tumor, se ele atinge ou não outros órgãos, que
perspectivas existem, etc.
As hipóteses dos observadores, tanto sobre o presente quanto ao futuro,
são as mais variadas. Entretanto, muitos especulam sobre o que esperar
do círculo próximo de Chávez, cujos membros têm em comum uma notória
falta de liderança, uma vez que o Führer afastou seus possíveis
competidores; total falta de preparação para governar, claro fanatismo
marxista e suposta incondicionalidade diante o líder, sem que se possa
descartar, não obstante, que se venham a produzir entre eles, nos
momentos cruciais, enfrentamentos dos mais brutais para resolver a
sucessão.
Assim, o mais provável é que Chávez, morrendo ou se submetendo a um
duro tratamento de rádio ou quimioterapia – depois de um período de
tensões e de dúvidas –, seja substituído provisória ou definitivamente,
seguindo o modelo cubano, por seu próprio irmão Adão; ou por algum dos
membros da cúpula militar designada por Chávez, todos de sua tendência
ideológica e seus incondicionais. Com isso, é provável que tudo termine
em guerra civil, ou que a resistência seja esmagada pelas Forças Armadas
somadas às milícias bolivarianas – e quiçá aos brutais contingentes
castristas.
Hugo Chávez escuta atentamente Castro, durante sua estadia para tratamento de um câncer em Havana |
O dito anteriormente é muito provável, porque os ditadores marxistas e
seus sequazes vivem obcecados com conspirações contra eles, pois sabem
que a opinião pública lhes é adversa. E como imaginam que as
conspirações para matá-los ou destituí-los se produzem continuamente,
também maquinam de maneira permanente para esmagar tais conjurações. De
modo que são contínuas as manifestações ameaçadoras dos dirigentes
chavistas, muitos dos quais anseiam pelo dia em que possam dar rédea
solta a seus ódios.
Em todo caso, à margem do enfrentamento esquerda-direita, todo o
restante das atividades de um Presidente – ou seja, o que é propriamente
governo, administração e liderança do país – continuará muito
provavelmente abandonado, como esteve durante o governo Chávez, ou
inclusive pior. Com o efeito cada vez mais intenso de um auge de
desestruturação e de uma verdadeira derrocada nacional, o que não
significa que o regime fique sem forças para continuar a demolição, as
agressões e as perseguições.
A este respeito, o jornal “Clarín” (10-7-11), de Buenos Aires, no artigo intitulado Literalmente, a Venezuela se descasca, fornece detalhes muito expressivos: “A
Venezuela tem um déficit de dois milhões de casas. Os críticos de
Chávez dizem que seu desempenho na construção de moradias – menos de
meio milhão de novas unidades desde que assumiu em 1999 – é pior que o
de seus antecessores. [...] A crise mais inquietante é o
declínio do modelo econômico estatista, porque há um estancamento do
aparelho produtivo e uma extrema dependência de produtos importados. [...] O incessante aumento dos preços reduziu substancialmente o poder aquisitivo dos venezuelanos, que desde 2007caiu 14,5%. [...] A dívida externa triplicou, de 30 bilhões de dólares em 1999 a uma que supera atualmente os 120 bilhões”.
A Venezuela vive, em síntese, na confluência de quase todas as
catástrofes, com um poder supremo ao mesmo tempo totalitário e inepto;
venerado e desprezado; olímpico em suas atitudes jactanciosas, mas
incapaz de resolver as crises e catástrofes que ele mesmo provocou.
Chávez é implacável em atribuir suas próprias culpas a quaisquer de seus
súditos, de modo a poder afirmar-se como uma espécie de gênio
incompreendido. Isto até que a derrocada geral o sepulte na ruína dos
mitos que construiu.
Começa surgir a preocupação no País pelo aumento da insegurança e o recomeço de ataques da guerrilha a pequenas cidades. A promessa de continuidade da política de Uribe, base do apoio eleitoral a Santos, parece ter ficado nas urnas... |
Colômbia: da confrontação à aliança com Chávez
Álvaro Uribe, esq., cumprimenta seu sucessor, Juan Manuel Santos |
Esboçado este panorama, resta ver quanto e como esse fenômeno penetrou
nos demais países, inclusive naqueles que lhe são contrários. Comecemos
pela Colômbia, a nação que melhor resistiu a Chávez durante oito anos e
na qual ele vai agora obtendo avanços inesperados e deploráveis.
Como vimos, o enfrentamento protagonizado entre Álvaro Uribe e Chávez
cedeu rapidamente lugar às relações amistosas estabelecidas por Juan
Manuel Santos com o caudilho caribenho. Estas se tornaram públicas no
gesto simbólico havido entre ambos com o ex-guerrilheiro sandinista
Daniel Ortega, atual presidente da Nicarágua, e Porfírio Lobo,
Presidente de Honduras, quando do regresso a este país do malogrado
Manuel Zelaya.
Eles procuravam dar assim por encerrada a crise em Honduras de 2010,
afirmando que se tratou de um simples golpe de Estado, omitindo pura e
simplesmente as ilegalidades e violações da Constituição praticadas por
Zelaya, responsável pelo conflito. Assim, abre caminho para se repetir
as manobras de Chávez a fim de submeter Honduras.
O simbólico gesto de Santos estendendo a mão para o presidente da Venezuela Hugo Chávez, gerou profunda desconfiança em amplos setores da opinião pública colombiana |
A Corte Suprema de Justiça da Colômbia vem emitindo sentenças sumamente questionáveis, quer do ponto de visto do Direito, quer do mero bom senso, ou ainda da segurança do país |
Após essa reunião, o secretário-geral da OEA, o socialista José Miguel
Insulza – que também tentou impedir que Honduras escapasse do domínio
chavista –, apresentou-se dizendo que incumbia à população hondurenha
determinar “se é necessário castigar Roberto Micheletti”, o presidente que substituiu Zelaya.
Pois bem, os castigos a serem aplicados aos que os mereçam, ou estão
previstos na Constituição e nas leis, ou não passam de vulgares
injustiças e ilegalidades; e não é estimulando o povo a uma vingança que
se resolve qualquer problema. Essa insólita atitude de Insulza, além de
desqualificá-lo para o cargo que ocupa, denota um verdadeiro
contubérnio para expandir o poderio de Chávez na América Central. É uma
temeridade do secretário da OEA provocar o povo hondurenho para que,
arrogando-se faculdades judiciais que não possui, desencadeie conflitos
de alcance imprevisível!
O líder das FARC, Raúl Reyes, poucos dias antes de morrer no surpreendente ataque do exército colombiano |
Mas voltemos à Colômbia. Seu principal problema é o progressivo
desmantelamento do esquema de segurança estabelecido por Álvaro Uribe,
com a diminuição dos efetivos mobilizados e dos orçamentos para
enfrentar a guerrilha. Em decorrência disso aumentaram consideravelmente
os índices de atentados e sequestros praticados por esta. Também vários
altos chefes militares que se destacaram no passado por sua efetividade
no combate à guerrilha foram transferidos para a reserva, aumentando a
ousadia dos subversivos e desalentando as tropas mais valorosas a se
empenharem por inteiro na defesa da Pátria.
As consequências desta política não se sentirão obviamente de imediato,
mas quando isso acontecer, haverá muitos efeitos irremediáveis. Por
exemplo, a sensação de segurança da população, que havia melhorado
notavelmente entre 2002 e 2010, hoje já baixou, não aos ínfimos níveis
de 1994-2002, mas parece rumar para eles...
A história da Colômbia dá conta de centenas de milhares de mortos em
conflitos internos, ao longo de meio século. Mas atingiu auges até então
inéditos com a guerrilha marxista e sua articulação com o narcotráfico.
Isso, que até 2002 parecia um problema sem solução devido à frouxidão
contínua de sucessivos governos, inverteu-se na gestão de Uribe.
Portanto é muito grave que o mal esteja renascendo. E se compreende a
preocupação de grande parte do país, a qual espera que o governo não dê
crédito às falsas promessas marxistas.
A Colômbia vai sendo, por outro lado, afetada a cada dia mais pelo que
já muitos chamam de “ditadura judicial”. Com efeito, interpretando de
forma abusiva e a seu bel-prazer as disposições constitucionais, as
altas Cortes de Justiça vêm emitindo sentenças sumamente questionáveis,
quer do ponto de visto do Direito, quer do mero bom senso, ou ainda da
segurança do país. Uma delas foi a aprovação, evocando a liberdade
individual, de vários tipos de aborto que estavam proibidos por lei;
outra foi a declaração de que os dados encontrados nos computadores do
guerrilheiro Raúl Reyes não terão valor jurídico, apesar de vários
organismos estratégicos de nível mundial terem atestado o evidente valor
dos mesmos e sua inquestionável autenticidade.
Mas há outras sentenças ainda mais questionáveis. São as que facultam à
Fiscalia poderes para lançar graves acusações contra altos oficiais do
Exército, capazes de desencadear processos judiciais que podem levá-los a
sentenças condenatórias por dezenas de anos de cadeia, enquanto muitos
guerrilheiros que cometeram crimes hediondos participam da política
ativa sem que ninguém os perturbe.
Como consequência, começam a surgir casos de militares que optam por
uma posição neutra, por não aceitarem que o heroísmo na frente de
batalha contra a guerrilha seja retribuído pelo establishment
com investigações, castigos e ações judiciais; disposições que podem ter
efeitos funestos no Exército e, portanto, no futuro do país, pois uma
nova irrupção em grande escala do terrorismo na Colômbia repercutiria em
todas as nações vizinhas.
O Peru é um dos maiores países pesqueiros do mundo. Humala abrirá as ricas costas peruanas para os barcos russos? |
Olanta Humala,
|
Um novo Chávez andino no Peru?
Os jornais deram grande cobertura ao escândalo das tratativas do irmão de Humala na Rússia |
No tocante ao Peru, já mencionamos a vitória de Ollanta Humala nas
últimas eleições, obtida graças a uma manobra de aparente moderação do
candidato, de seus familiares e dos partidos políticos que o apoiaram ou
lhe são próximos.
Entretanto, como a frente que o apoiava era heterogênea, não tardou em
haver discrepâncias entre possíveis membros do futuro governo. Mas
Humala esforçou-se para se apresentar como ameno, dialogante,
distendido, entrevistando-se com presidentes de diversos países, dando a
impressão de que seu passado de esquerdismo radical e sua mentalidade
socialista eram coisas superadas. Sem embargo, a menos de três semanas
de sua posse, ainda não indicou os nomes dos principais ministros, de
tal modo que pouco se pode dizer de concreto sobre a política que
aplicará.
Isso não obstante, aconteceu de repente algo que para alguns terá sido
desconcertante, embora para outros parecerá simplesmente um sinal:
enquanto Humala, em plena “operação tranquilizadora”, se encontrava em
Washington, no outro extremo do mundo – precisamente em Moscou –, uma
notícia dava conta que o “representante especial do presidente eleito
peruano”, seu irmão mais novo Aléxis Humala, visitava altos funcionários
do Estado russo, inclusive o chanceler e o ministro de defesa, a cúpula
da gigantesca empresa de gás Gazprom e empresas de pesca, com os quais
ele tratou de inversões, compras, convênios e negócios no Peru. Sobre
isso até o momento ninguém havia falado, nem dado algum detalhe ou
explicação coerente.
As expressões de estranheza e repúdio no âmbito peruano foram
obviamente numerosas e eloquentes. É compreensível, pois o país tem
péssima experiência de acordos pesqueiros com a Rússia durante a
ditadura militar de esquerda (1968-1980), na qual numerosos barcos
russos pescavam abusiva e predatoriamente nas águas nacionais, tendo
custado muitos esforços encerrar o convênio.
Se bem seja verdadeiro que naquela época a União Soviética ainda não
tinha sido derrubada, também é certo que os atuais hierarcas do Kremlin
nutrem imensa nostalgia por esses tempos. Pois bem, nestas condições
surgem sintomas de que se tramam novos tratados que podem dar margem à
repetição de tais abusos. E isto a partir da própria família do
presidente eleito, e havendo versões de que era por encargo dele!
A agrupação política que apoiou Ollanta Humala apressou-se em excluir
de suas fileiras o irmão deste, a quem não sabe como qualificar: se como
gestor administrativo, aventureiro ou farsante. Mas quem deveria
mostrar-se mais contrariado seria o próprio Ollanta, que guardou até o
momento completo e inexplicável silêncio. Enquanto isso os esquerdistas
mais radicais se esforçavam em elogiar a suspeita iniciativa.
Evidentemente, o perigo maior é que se estabeleça no território peruano
uma “cabeça de ponte” do imperialismo russo, o qual se mostrou bastante
amigo de Chávez, Lula e outros próceres da esquerda ibero-americana, e
está ansioso por obter concessões das nações do Continente através de
tentadoras ofertas, que se tornam por isso mesmo suspeitas.
Se a tentativa é grave, fazê-la secretamente é pior, pois não é
verossímil que a chancelaria russa receba emissários estrangeiros sem
credenciais, ouça ofertas que não contam com a aprovação da cúpula do
governo que os envia, e se façam em retribuição propostas sem conhecer
as disposições da outra parte em aceitá-las.
Ademais, caso em algum país ibero-americano se estabeleça uma “cabeça
de ponte” russa, não será profundamente afetada apenas a nação hóspede,
mas todo o Continente. E os eventuais conflitos entre os países maiores e
poderosos terão inevitavelmente um eco e desdobramentos entre nós.
|
Argentina na senda prepotente do peronismo radical
Voltemos o olhar para outra importante nação, cujo destino está sendo
jogado em nossos dias: a Argentina. Haverá ali uma eleição presidencial
no próximo dia 23 de outubro, precedida por primárias em 14 de agosto,
quando os partidos de oposição elegerão seus candidatos para competir
com a presidente Cristina Fernández de Kirchner, postulante à reeleição.
Não se sabe bem por que sortilégios, as pesquisas e os prognósticos
oficiais já a apresentam como vencedora, apesar das abundantes reações
suscitadas contra seu autoritarismo.
Por outro lado, haverá também nos próximos dois meses e meio várias
eleições regionais de relevo, de governadores e prefeitos, as quais
podem incidir na contenda presidencial. Os candidatos com maior
possibilidade de vencer são os opositores. A questão-chave é se os que
saírem vitoriosos se articularão ou não nas primárias de agosto numa
aliança para enfrentar a Presidente-candidata. Se tal não suceder, é
praticamente certo que ela vencerá.
Infelizmente, como é habitual na política partidária, a urgência de uma
aliança não significa em absoluto que ela se efetuará. A razão é que os
candidatos com poucas possibilidades de triunfo preferem fechar os
olhos ao risco de uma derrota, de modo a se tornarem mais conhecidos e
tentarem mais à frente novas candidaturas com possibilidades de êxito.
Isso sucederá agora, ou o patriotismo de alguns postulantes prevalecerá
em certos casos sobre suas próprias ambições, com vistas a apoiar outro
com uma opção maior? – Na verdade, em alguns casos, talvez sim; mas
dificilmente em todos.
Sucede que, terminado o período presidencial em curso, cumprir-se-ão oito anos de domínio kirchnerista sobre
a política argentina. E se a Presidente for eleita, tal domínio se
estenderá a doze anos. Como foi esse domínio e quais foram seus frutos?
Foi na verdade um domínio sem contrapeso, exercido muitas vezes com a
brutalidade decorrente da aliança dos Kirchner com as poderosas centrais
sindicais – peronistas de inspiração socialista em geral, nada
escrupulosas em matéria ética. E também pelo uso constante e
indissimulado dos fundos do Executivo para influir sobre todos os
setores da política e das populações das províncias do interior, em
especial das cidades pequenas e médias.
As armas do poder foram igualmente usadas incontáveis vezes sem
vacilação, seja para jugular a imprensa opositora e enfrentar as classes
mais honestas e representativas, seja para a promoção dos setores que
praticam a contestação e a agitação, de modo a impulsionar o país rumo
ao conflito social e à luta de classes, ou ainda para designar os
candidatos do governo, desde que sua lealdade à Presidente fosse a toda
prova.
Em decorrência de tais manejos, vários políticos, meios de comunicação e
líderes locais importantes, que se haviam manifestado contrários ao
casal Kirchner, chegado o momento-chave deram meia-volta, esqueceram as
diferenças e se submeteram docilmente à sua vontade. As razões? A julgar
pelo que dizem os comentaristas políticos, nada de ideologias, nem de
princípios, mas pressões, ameaças, vinganças, alianças de conveniência
recíproca, promessas de retribuições, etc.
A consequência é que, segundo o articulista Joaquín Morales Solá, de
“La Nación” (10-7-11), de Buenos Aires, “a política opositora é tão
errática como é arbitrária a governista. Os opositores nunca se
recuperaram do excesso de fragmentação; o governo, por seu lado,
confunde um momento político excepcional com o direito perpétuo a mandar
sem concessões. [...] Nada penetra, de momento, na envoltura de amianto
que cobre a presidente. Tampouco puderam contra essa proteção política
nem a já longa escassez de combustíveis nem o método claramente
stalinista que usou para dirimir as listas de candidatos. São pequenos
fogachos que ninguém sabe quando se converterão em um fogo mais
devastador”.
Mas em relação à atual Presidente existem outros pontos questionáveis e
questionados, como o aumento desmesurado de seu patrimônio entre 2003 e
2010, ou seja, durante o governo de seu esposo e o dela mesma, o que
fez com que a Oficina Anticorrupção (AO) lhe pedisse esclarecimentos.
Segundo o jornal “Perfil” (12-7-11), “a chefe de Estado devia
apresentar o detalhe de seus bens no dia 4 de julho, mas o responsável
da AO, Julio Vitobello, primeiro adiou a data limite até o dia 22 do
mesmo mês e depois a estendeu até 22 de agosto, oito dias depois das
primárias”. Naturalmente, são muitos os comentários afirmando que,
para desmentir seus detratores, ela deveria tornar público esse informe.
Mas ela não parece crer que este será precisamente o efeito da difusão
de tal informação.
Trata-se assim de um governo cujos desejos e ambições constituem a
regra máxima de seu proceder diário; que conduz o país como se fosse sua
fazenda pessoal, sem maior respeito pelas leis vigentes, pelas normas
de probidade, pelos direitos alheios; que, a exemplo dos demagogos, não
fala do bem comum do país senão exclusivamente do bem dos pobres; e que
quer satisfazer as conveniências dos pobres às expensas dos que não
estão nesta situação, nunca a custo de uma maior austeridade dos
funcionários do Estado.
Mauricio Macri venceu o candidato oficial, Sergio Kovadloff, para o governo de Buenos Aires. Uma evidente derrota do kirchnerismo. |
Comentando o resultado da recente eleição para o governo de Buenos
Aires na qual o opositor Mauricio Macri venceu o candidato oficial,
Sergio Kovadloff, escreveu “La Nación” (12-7-11): Filmus [nome do candidato apoiado pela Presidente] foi
derrotado antes de tudo pela inconformidade social gerada na cidade de
Buenos Aires em decorrência da gestão de seu próprio partido. O
oficialismo teria querido que a confrontação na capital fosse entre
progressistas e conservadores. A população decidiu que seria entre a lei
e a corrupção, entre o espírito de convivência e o afã de beligerância.
E votou contra o governo, potenciando a figura de Mauricio Macri em
nível nacional. Se os pratos quebrados da derrota foram pagos por um
homem que se deixou construir como porta-voz do maniqueísmo governista,
os benefícios dessa inconformidade popular recaíram sobre um chefe de
governo que soube transmitir um espírito de convivência pacífica e
capitalizar em seu favor a agressão inverossímil da que o fez objeto uma
presidente empertigada desde sempre a humilhar seus adversários
significativos. A regeneração de suas derrotas – um procedimento usual
no kirchnerismo – obriga seus porta-vozes a promover um discurso do qual
bastaria dizer que é maníaco e tragicômico, se não fosse perigoso.
Certamente não é este o melhor modo de avançar por um caminho
democrático. Mas é o único possível quando se responde a um projeto
autoritário”.
* * *
Com os exemplos aqui comentados, vimos como algumas nações vão
despencando no abismo, enquanto outras se dirigem para ele. Umas se
encontram muito próximas, outras menos. Mas a Divina Providência se vale
dessa diversidade de situações para adverti-las dos perigos a que estão
expostas, e do que deveriam fazer para livrar-se deles. Condição para
poderem viver sob uma ordem e paz social de desigualdades harmônicas,
sem esperanças vãs, frustrações ou amarguras.
Que a Santíssima Virgem de Guadalupe, Imperatriz das Américas, obtenha
dos saudáveis temores que inspiram o comunismo e o mundo neopagão, um
movimento das almas que conduza ao estabelecimento de seu Reino sobre a
Terra.
E-mail para o autor: catolicismo@terra.com.br
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