Em um ambiente podre, quanto mais se mexe, mais o cheiro fétido se acentua.
Celso Brasil
DESVIOS MILIONÁRIOS
Como ministro do Esporte, o governador do DF
promoveu uma série de acordos ilegais
"O cabeça dessa quadrilha era o Agnelo, porque ele
liberava o dinheiro para o esquema. Ele liberava o
dinheiro, o João Dias pegava e fazia os contatos. O Miguel
abria as empresas e arranjava pessoas. O esquema
foi até 2009 (...) A gente fazia 20 saques por semana"
Geraldo Nascimento de Andrade, funcionário das ONGs beneficiadas,
laranja em empresas fornecedoras e encarregado de repassar as propinas
Ofícios internos do Ministério do Esporte e dados do processo
sigiloso que corre na 10ª Vara Criminal da Justiça Federal em Brasília,
obtidos por ISTOÉ, dão ainda mais substância à denúncia de Andrade e
confirmam que o policial militar João Dias Ferreira tem motivos de sobra
para poupar Agnelo das denúncias que acabaram derrubando Orlando Silva.
Esses documentos atestam que a Federação Brasileira de Kung-Fu
(Febrak), de João Dias, foi a primeira ONG do esquema a entrar no
Ministério, ainda na gestão Agnelo, em 2005. E os convênios assinados em
2006, após sua saída, com a Associação João Dias de Kung Fu, o
Instituto Novo Horizonte e a Associação Gomes de Matos – todas elas
ligadas ao PM – levam a chancela de um intrigante personagem: Rafael
Barbosa. Médico por formação, homem da mais inteira confiança de Agnelo,
Barbosa era, na época, secretário Nacional de Esporte Educacional. A
ligação entre os dois é tão estreita que o ex-ministro, depois de deixar
a pasta, nomeou Rafael Barbosa como seu adjunto na diretoria da Anvisa.
Mais tarde, eleito governador do DF, Agnelo entregou-lhe a Secretaria
de Saúde, cargo que ele ocupa até hoje.
"Estou gravando isso aqui porque, se alguma coisa acontecer comigo,
foi Agnelo, o Miguel (Santos de Souza, empresário que operacionalizou
o esquema) e o João Dias (Ferreira, o PM que denunciou as fraudes).
A atual esposa do Miguel já me falou que tinham dois ou três carros
me procurando...Vou gravar isso aqui, deixar para todo mundo ver.
Vou falar a verdade de tudo o que aconteceu"
Uma análise mais detalhada do contrato com a Febrak, de João Dias,
com o ministério dá um exemplo bastante preciso de como funcionou o
conluio. A proposta do convênio de R$ 2,5 milhões para atender dez mil
crianças, pelo Segundo Tempo, teve tramitação acelerada. Ganhou carimbo
de “urgente” e, em apenas três dias, chegou à mesa de Rafael Barbosa.
Em 12 de abril, ele assinou ato de autorização, atestando a
“proficiência” da Febrak e dando prazo de dois dias para que a comissão
constituída pelo ministro concluísse sua análise. O ato de Barbosa
desconsiderou o despacho do coordenador técnico do Ministério, Marcos
Roberto dos Santos. O analista, em 22 de março, registrou que vinha se
manifestando “diversas vezes em reuniões e documentos à diretoria” sobre
a necessidade de averiguação in loco das “atividades inerentes ao
desenvolvimento do programa”. O próprio Orlando Silva, então
secretário-executivo, alertou para a recomendação de “vistoria prévia
das instalações”, antes que se assinasse o contrato.
Diante da pressão interna, a secretária-adjunta de Barbosa, Luciana Homrich, determinou a vistoria e recomendou o nome de Santos, o coordenador técnico, “por ter sido ele mesmo a proceder a análise técnica”. Mas, misteriosamente, isso não aconteceu. A vistoria acabou nas mãos de dois companheiros partidários, o técnico Denizar Dourado e a assessora internacional do Ministério, Flaurizia Rodrigues. A dupla assinou a declaração, datada de 3 de maio, obtida por ISTOÉ, atestando “as boas condições” para a execução do projeto Segundo Tempo nas instalações da Febrak. Um ano depois, no entanto, uma auditoria do próprio ministério constataria o oposto. Registre-se que Dourado é membro da diretoria estadual do PCdoB e Flaurizia, além de integrar as fileiras do partido, ganhou cargo comissionado no governo de Agnelo no DF. Além de não ter estrutura física para prestar o serviço encomendado, a Febrak, conforme um relatório com balanço patrimonial de dezembro de 2004, consultado por ISTOÉ, detinha patrimônio de apenas R$ 90 mil. Ou seja, não possuía recursos para arcar com a contrapartida de R$ 462 mil exigida pelo governo.
“Vi o rosto do Agnelo (quando entregou o dinheiro), vi o rosto do rapaz
que trabalha com ele, um homem forte e calvo. Eles me conhecem, não têm
como mentir. Bota esses caras no detector de mentiras! Eu provo que
saquei o dinheiro. Tem filmagem minha e do Eduardo (Tomaz, o tesoureiro
do esquema), tem filmagem minha e do João Dias, tem filmagem minha
e do Miguel entrando no banco, sacando dinheiro”
No tempo em que trabalhou para o esquema, Geraldo Nascimento de
Andrade pôde testemunhar a desenvoltura de outras empresas e ONGs de
fachada. O procedimento era sempre o mesmo. “O cabeça dessa quadrilha
era o Agnelo, porque ele liberava o dinheiro”, afirma a testemunha. Numa
tentativa de tentar abafar o caso, Agnelo chegou a mover um processo,
também obtido pela reportagem, contra o delegado da Polícia Civil
Giancarlos Zuliani, responsável pela operação que prendeu João Dias e
mais quatro pessoas envolvidas na corrupção do Ministério do Esporte.
Sem prerrogativa para investigar o ex-ministro, o delegado concentrou-se
nas atividades do PM e em seu círculo de relações. Obteve, com
autorização judicial, a quebra do sigilo telefônico dessas pessoas e
comprovou a ligação umbilical entre Agnelo e o policial militar. “João
Dias é quase um filho para Agnelo”, confirma Andrade. Segundo ele, o PM e
o ex-ministro lucraram juntos nas fraudes. “O ministro Agnelo ganhou
bastante dinheiro. Dá para ver o roubo, tá na cara de todo mundo! Se o
João Dias tem R$ 2 milhões em imóveis e tem duas academias, cada uma no
valor de R$ 1 milhão, quanto é que o Agnelo não tem?”, ironiza.
As acusações de Andrade são fortes, e ele pagou por elas com limites à sua liberdade. Há um ano, quando gravou o vídeo, ele foi ameaçado de morte por João Dias e acabou entrando para o Programa de Proteção a Testemunhas. Hoje vive escondido. Em vários trechos do DVD, explica que gravou o depoimento como garantia de vida. Temia ser morto pelo PM, a quem acusa de chefiar uma milícia na cidade-satélite de Sobradinho, sede da maior parte das ONGs. “Havia um esquema para me matar. O João Dias tem uma miliciazinha. Eles queriam me apagar por queima de arquivo, só para proteger o Agnelo e toda essa corja aí”, diz. Durante a campanha eleitoral de 2010, assessores do candidato Joaquim Roriz (PSC) tentaram usar pequena parte do depoimento de Geraldo Nascimento Andrade contra Agnelo Queiroz. No trecho, ele confessava ter entregue pessoalmente a Agnelo, quando ministro, a quantia de R$ 256 mil, fruto do esquema de corrupção. A campanha petista recorreu à Justiça Eleitoral e conseguiu proibir a veiculação da denúncia na campanha de Welian Roriz, candidata ao governo do DF. Partes do relato, no entanto, foram parar no Youtube. Somente a íntegra do depoimento agora revelado por ISTOÉ, no entanto, permite que, com o cruzamento dos dados disponíveis em processos judiciais, se chegue aos nomes e papel de cada membro dos esquema.
"Os saques eram feitos em dinheiro vivo. Sempre. A distribuição era
quase na hora. Às vezes, eles ficavam na porta do banco esperando a gente
em carros diferentes. Todas as empresas tinham a mesma conta. Todas as
empresas tinham o mesmo endereço: na 711 Norte e na 303. O Miguel colocou
algumas das empresas que tinha num apartamento lá, que usava para outros fins”
A importância do testemunho de Andrade é indiscutível. Ele trabalhava
para o empresário Miguel Santos Souza, responsável por criar empresas
de fachada e recrutar ONGs interessadas em participar do esquema. Antes
de desaparecer do mapa, Andrade apontou pessoas que poderiam confirmar
sua versão. “Se um dia acontecer alguma coisa comigo, podem procurar o
Carlos Eduardo Chuquer, o Murilo Quirino, o George Paul Wright. Eles vão
falar o que acontecia nas empresas, porque eles também vão estar em
risco”, afirmou. Ele explica, ao longo da fita, que essas pessoas também
foram contratadas como laranjas do esquema. Miguel, por exemplo, ficou
incumbido de criar empresas de fachada em nome dessas pessoas. A partir
daí, emitia notas fiscais frias para forjar gastos das ONGs que recebiam
o dinheiro do Ministério dos Esportes. Chuquer era o representante da
empresa Transnutri Distribuidora de Alimentos Ltda., com sede no Rio de
Janeiro, e cujo diretor é Wright. Quirino, por sua vez, era da Infinita
Comércio. O motorista acrescenta que fez pagamentos em cash a ONGs no
Rio, em Santa Catarina e Goiás. As fraudes também atingiram convênios do
Ministério do Trabalho e do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT).
Documentos obtidos por ISTOÉ comprovam a versão. A empresa JG Comércio,
que tinha o motorista Andrade como sócio e que emitia notas frias, foi
contratada por mais de R$ 1 milhão pela Fundação Oscar Rudge, do Rio,
num convênio do Programa Primeiro Emprego. Já o MCT firmou com o
Instituto Novo Horizonte três convênios fraudados e hoje cobra
ressarcimento de R$ 3,6 milhões.
"Está no meu nome a JG (empresa que fornecia alimentos para
as ONGs). Mas não tenho os 100 mil que estão no contrato.
Dos 5 milhões que passaram na JG, não tenho nenhum real na
minha conta. O que eu fazia? Minha função era sacar dinheiro
e entregar para o pessoal, os donos das ONGs"
Outra prova irrefutável do tratamento privilegiado dado a João Dias
na gestão Agnelo é que a Febrak recebeu do Ministério do Esporte, um mês
após a assinatura do contrato, todo o material prometido: dez mil
camisetas “Segundo Tempo”, 2,5 mil bolas para práticas esportivas e 80
mil pares de redes de vôlei, futebol de campo, futsal e basquete. Os
ofícios de liberação de material esportivo, obtidos com exclusividade
por ISTOÉ, trazem a assinatura de próprio punho de Agnelo Queiroz. Da
mesma forma, o secretário Rafael Barbosa – sempre ele, o amigo fiel –
assina o pedido de liberação da segunda parcela do convênio com a
Febrak, no valor de R$ 730 mil, sem que a entidade tivesse entregado a
prestação de contas parcial – como exige a norma. Em apenas cinco dias, o
pagamento foi feito, com autorização do subsecretário de Orçamento do
Ministério, Cláudio Monteiro, que acompanha Agnelo desde os tempos de
deputado federal. Ressalte-se que, durante a gestão de Agnelo no Esporte
também foram firmados convênios fraudulentos de mais de R$ 5 milhões
com três entidades ligadas ao PCdoB e a Agnelo: a Federação dos
Trabalhadores no Comércio (Fetracom), a Liga de Futebol Society do DF e o
Sindicato de Clubes e Entidades de Classe Promotoras do Lazer
(Sinlazer). A Fetracom, por exempo, é dirigida por Geralda Godinho,
nomeada pelo governador como administradora do Riacho Fundo II, uma
cidade-satélite da capital.
SÓ FACHADA
A fornecedora de alimentos para as ONGs estava registrada
em nome do motorista Geraldo Nascimento de Andrade
Celso Brasil
Nesta página você vê os documentos e todos
os detalhes surpreendentes após o vídeo!
os detalhes surpreendentes após o vídeo!
O esquema de Agnelo
Em vídeo, testemunha-chave conta bastidores da teia de corrupção montada no Ministério do Esporte pelo
ex-ministro Agnelo Queiroz. Aparecem nomes e funções dos envolvidos na rede que desviou recursos públicos para ONGs de fachada e empresas fantasmas
Claudio Dantas SequeiraDESVIOS MILIONÁRIOS
Como ministro do Esporte, o governador do DF
promoveu uma série de acordos ilegais
Na semana passada, ISTOÉ obteve com
exclusividade o inteiro teor de um explosivo depoimento gravado em vídeo
por Geraldo Nascimento de Andrade, testemunha-chave das denúncias sobre
o esquema de desvio de verbas com ONGS do programa Segundo Tempo, do
Ministério do Esporte. Como motorista, arrecadador e até como laranja
para empresas fantasmas, Andrade serviu por mais de quatro anos a essa
rede de corrupção. Ele é um homem simples, de 25 anos, que na maior
parte do tempo esteve preocupado em garantir uma subsistência modesta.
Numa gravação de quase duas horas, Andrade conta tudo o que testemunhou e
executou para o grupo. Seu relato, nunca revelado na íntegra,
impressiona pela riqueza de detalhes e foi repetido por ele à Polícia
Civil e ao Ministério Público. As declarações de Andrade foram checadas
pelas autoridades, cruzadas com documentos e ofícios internos do
Ministério, aos quais ISTOÉ também teve acesso exclusivo. O material
embasou duas denúncias já acolhidas pela Justiça Federal e que correm
sob segredo de Justiça. Com esse conjunto é possível traçar pela
primeira vez um organograma de quando foi instalado, como atuavam, como
era feita a distribuição da propina e o papel de cada operador no
complexo esquema de dreno de recursos públicos montado no Esporte (leia
quadro na pag. ao lado). A gravação deixa evidente que a teia de
falcatruas que irrigou o caixa do PCdoB foi iniciada e bem azeitada pelo
ex-ministro do Esporte e antecessor de Orlando Silva, Agnelo Queiroz,
hoje governador do Distrito Federal. O depoimento de Andrade ajuda a
demonstrar, com minúcias, como Agnelo organizou esse propinoduto para
sugar dinheiro no Ministério do Esporte – operação que se manteve sob
administração do PCdoB com Orlando Silva.
"O cabeça dessa quadrilha era o Agnelo, porque ele
liberava o dinheiro para o esquema. Ele liberava o
dinheiro, o João Dias pegava e fazia os contatos. O Miguel
abria as empresas e arranjava pessoas. O esquema
foi até 2009 (...) A gente fazia 20 saques por semana"
Geraldo Nascimento de Andrade, funcionário das ONGs beneficiadas,
laranja em empresas fornecedoras e encarregado de repassar as propinas
"Estou gravando isso aqui porque, se alguma coisa acontecer comigo,
foi Agnelo, o Miguel (Santos de Souza, empresário que operacionalizou
o esquema) e o João Dias (Ferreira, o PM que denunciou as fraudes).
A atual esposa do Miguel já me falou que tinham dois ou três carros
me procurando...Vou gravar isso aqui, deixar para todo mundo ver.
Vou falar a verdade de tudo o que aconteceu"
Diante da pressão interna, a secretária-adjunta de Barbosa, Luciana Homrich, determinou a vistoria e recomendou o nome de Santos, o coordenador técnico, “por ter sido ele mesmo a proceder a análise técnica”. Mas, misteriosamente, isso não aconteceu. A vistoria acabou nas mãos de dois companheiros partidários, o técnico Denizar Dourado e a assessora internacional do Ministério, Flaurizia Rodrigues. A dupla assinou a declaração, datada de 3 de maio, obtida por ISTOÉ, atestando “as boas condições” para a execução do projeto Segundo Tempo nas instalações da Febrak. Um ano depois, no entanto, uma auditoria do próprio ministério constataria o oposto. Registre-se que Dourado é membro da diretoria estadual do PCdoB e Flaurizia, além de integrar as fileiras do partido, ganhou cargo comissionado no governo de Agnelo no DF. Além de não ter estrutura física para prestar o serviço encomendado, a Febrak, conforme um relatório com balanço patrimonial de dezembro de 2004, consultado por ISTOÉ, detinha patrimônio de apenas R$ 90 mil. Ou seja, não possuía recursos para arcar com a contrapartida de R$ 462 mil exigida pelo governo.
“Vi o rosto do Agnelo (quando entregou o dinheiro), vi o rosto do rapaz
que trabalha com ele, um homem forte e calvo. Eles me conhecem, não têm
como mentir. Bota esses caras no detector de mentiras! Eu provo que
saquei o dinheiro. Tem filmagem minha e do Eduardo (Tomaz, o tesoureiro
do esquema), tem filmagem minha e do João Dias, tem filmagem minha
e do Miguel entrando no banco, sacando dinheiro”
As acusações de Andrade são fortes, e ele pagou por elas com limites à sua liberdade. Há um ano, quando gravou o vídeo, ele foi ameaçado de morte por João Dias e acabou entrando para o Programa de Proteção a Testemunhas. Hoje vive escondido. Em vários trechos do DVD, explica que gravou o depoimento como garantia de vida. Temia ser morto pelo PM, a quem acusa de chefiar uma milícia na cidade-satélite de Sobradinho, sede da maior parte das ONGs. “Havia um esquema para me matar. O João Dias tem uma miliciazinha. Eles queriam me apagar por queima de arquivo, só para proteger o Agnelo e toda essa corja aí”, diz. Durante a campanha eleitoral de 2010, assessores do candidato Joaquim Roriz (PSC) tentaram usar pequena parte do depoimento de Geraldo Nascimento Andrade contra Agnelo Queiroz. No trecho, ele confessava ter entregue pessoalmente a Agnelo, quando ministro, a quantia de R$ 256 mil, fruto do esquema de corrupção. A campanha petista recorreu à Justiça Eleitoral e conseguiu proibir a veiculação da denúncia na campanha de Welian Roriz, candidata ao governo do DF. Partes do relato, no entanto, foram parar no Youtube. Somente a íntegra do depoimento agora revelado por ISTOÉ, no entanto, permite que, com o cruzamento dos dados disponíveis em processos judiciais, se chegue aos nomes e papel de cada membro dos esquema.
"Os saques eram feitos em dinheiro vivo. Sempre. A distribuição era
quase na hora. Às vezes, eles ficavam na porta do banco esperando a gente
em carros diferentes. Todas as empresas tinham a mesma conta. Todas as
empresas tinham o mesmo endereço: na 711 Norte e na 303. O Miguel colocou
algumas das empresas que tinha num apartamento lá, que usava para outros fins”
"Está no meu nome a JG (empresa que fornecia alimentos para
as ONGs). Mas não tenho os 100 mil que estão no contrato.
Dos 5 milhões que passaram na JG, não tenho nenhum real na
minha conta. O que eu fazia? Minha função era sacar dinheiro
e entregar para o pessoal, os donos das ONGs"
SÓ FACHADA
A fornecedora de alimentos para as ONGs estava registrada
em nome do motorista Geraldo Nascimento de Andrade
Revista Época - 28 de outubro de 2011
Agnelo na mira
Uma investigação da polícia mostra que o governador de Brasília ajudou um PM a fraudar provas para se defender de denúncias de desvio de recursos
Orlando Silva perdeu o cargo de ministro do Esporte, na semana passada, abalado por denúncias de desvio de dinheiro. Seu substituto, Aldo Rebelo, também do PCdoB, recebeu do Palácio do Planalto a missão de moralizar a pasta. Para a Justiça, no entanto, a questão é outra. Nos próximos dias, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) receberá um processo com nove volumes e quatro apensos, que corre na 10ª Vara Federal, em Brasília. As informações, a que ÉPOCA teve acesso, mostram que o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), antecessor de Silva, é suspeito de ter se beneficiado das fraudes.
O conjunto contém gravações, dados fiscais e bancários, perícias contábeis e relatórios de investigação. As peças da ação penal vistas por ÉPOCA incluem o relatório nº 45/2010, que contém os diálogos captados em interceptações telefônicas, com autorização judicial, feitas entre 25 de fevereiro e 11 de março do ano passado. As conversas mostram uma frenética movimentação de Agnelo Queiroz e do policial militar João Dias para se defender em um processo. Diretor de duas ONGs, Dias obteve R$ 2,9 milhões do programa Segundo Tempo para ministrar atividades esportivas a alunos de escolas públicas. Nas conversas, Dias quer ajuda para acobertar desvios de conduta e de dinheiro público. Ele busca documentos e notas fiscais para compor sua defesa em uma ação cível pública movida pelo Ministério Público Federal. O MPF cobra de Dias a devolução aos cofres públicos de R$ 3,2 milhões, em valores atualizados, desviados do Ministério do Esporte.
O ex-ministro do Esporte Orlando Silva, do PCdoB, no Palácio do Planalto, após sua demissão, na semana passada. Ele foi substituído pelo colega de partido Aldo Rebelo, que recebeu a missão de moralizar a pasta
(Foto: Sérgio Lima/Folhapress e Lula Marques/Folhapress)
Personagem da crônica política de Brasília, João Dias ajudou, com suas declarações, a derrubar Orlando Silva na semana passada. Dias nem precisou apresentar provas de que Silva teria recebido pacotes de dinheiro na garagem do ministério. Suas acusações levaram à sexta baixa no primeiro escalão da equipe da presidente Dilma Rousseff. O pretexto para a demissão foi a abertura, na terça-feira, de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar a acusação de Dias e denúncias de que o Ministério do Esporte se transformara num centro de arrecadação de dinheiro para o PCdoB. Com a queda de Orlando Silva, o foco se transfere para o governador Agnelo Queiroz, contra quem existem suspeitas ainda mais consistentes.
Os principais interlocutores nas conversas gravadas pela polícia são João Dias, Agnelo Queiroz, o advogado Michael de Farias (defensor do policial) e o professor Roldão Sales de Lima, então diretor da regional de ensino de Sobradinho – cidade-satélite de Brasília onde atuavam as duas ONGs de João Dias. Era com Lima que Dias tratava do cadastro das crianças carentes que deveriam ser beneficiadas pelo programa Segundo Tempo. Na ação cível há um dado impressionante: as ONGs de João Dias receberam recursos para fornecer lanches para 10 mil crianças. Mas só atenderam, de forma precária, 160.
Pressionado pelo Ministério Público, Dias foi à luta para amealhar elementos capazes de justificar tamanho disparate. Às 12h36 do dia 4 de março de 2010, ele telefonou para Agnelo Queiroz, então diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Dias pediu a Agnelo para “dar um toque” em Lima e reforçar seu pedido de ajuda ao professor. Dias queria que Lima fornecesse documentos para sua defesa. Na gravação, ele avisa que vai marcar um encontro entre Agnelo e Lima, para que esse pedido seja feito pessoalmente. Menos de uma hora depois, Dias, que estava num restaurante com Lima, telefonou novamente a Agnelo. Entregou o celular para Lima falar com ele. De acordo com a transcrição dos diálogos, feita por peritos do Instituto de Criminalística do Distrito Federal, Agnelo diz a Lima que precisa de sua ajuda. Afirma que vai combinar com João Dias para os três conversarem, porque Roldão (Lima) “é peça-chave neste projeto”.
Qual seria o projeto? Segundo a investigação da polícia, trata-se de apresentar uma defesa à Justiça Federal capaz de livrar Dias da cobrança milionária. Pouco antes das 13 horas do dia 9 de março, o advogado Michael de Farias disse a Dias para ficar tranquilo, que tudo estaria pronto para ser entregue à Justiça três dias depois. Só faltaria, disse Michael, “agilizar a questão do Roldão (Lima)”. Na gravação, Michael afirma que eles “já vão confeccionar os documentos só para o Roldão assinar, já vai tudo pronto”. Dias diz que dessa forma fica melhor e, em seguida, liga para Agnelo e marca um encontro para uma conversa rápida e urgente. Cerca de duas horas depois, Dias volta a telefonar a Agnelo e adia o encontro.
Michael disse a Dias que já havia “confeccionado a defesa e as cartas de Roldão (Lima)”. Até aquele momento, Lima não assinara nada. À noite, Dias ligou para dois celulares de Agnelo e deixou o mesmo recado nas secretárias eletrônicas: “O prazo máximo para apresentar a defesa é sexta-feira, preciso muito de sua ajuda”. Às 20h22, Dias finalmente consegue falar com Agnelo e avisa “que sexta-feira tem de apresentar o negócio lá”.
A polícia descobriu, pelas conversas grampeadas, onde Lima se encontraria com Dias para entregar os documentos a ser incorporados a sua defesa. O encontro ocorreu no Eixo Rodoviário Norte, uma das principais avenidas de Brasília, no começo da tarde da sexta-feira 12 de março. Dias parou seu Ford Fusion e ligou o pisca-alerta. Em seguida, Lima parou seu Fiat Strada atrás e entrou no automóvel de Dias. Eles não sabiam, mas tudo era fotografado por agentes da Divisão de Combate ao Crime Organizado da Polícia Civil do Distrito Federal. As imagens mostram que Lima carregava uma pasta laranja ao entrar no carro de Dias. Saiu do veículo sem ela. Três horas depois, os advogados de Dias entregaram sua defesa na Justiça Federal.
De nada adiantou todo esse esforço. Um laudo da PF constatou que havia documentos “inidôneos” na papelada apresentada pela defesa de Dias. Três semanas depois, ele e outras quatro pessoas foram presas por causa de fraudes e desvio de dinheiro público no Ministério do Esporte. Mesmo com todas as evidências registradas nas gravações de suas conversas, Dias nega ter recorrido a Agnelo para ajudá-lo em sua defesa. O professor Lima afirma que, nas conversas por telefone e nos encontros com Dias, só falava de política. Mas admite que, “num dos encontros, João Dias me passou o telefone para conversar com Agnelo”. Lima afirma não se lembrar da pasta laranja entregue no encontro.
As gravações telefônicas revelam também uma intimidade entre Agnelo Queiroz e João Dias, que os dois hoje insistem em esconder. A relação entre os dois envolveu a intensa participação do PM na campanha de Agnelo para o governo do Distrito Federal no ano passado. Eles afirmam que estiveram juntos apenas nas eleições de 2006, quando Agnelo concorreu ao Senado, e Dias a uma cadeira na Câmara Legislativa – ambos pelo PCdoB. Os diálogos em poder da Justiça mostram outra realidade. No dia 4 de março de 2010, Dias perguntou a Agnelo como estavam os preparativos para o dia 21 de março, data em que o PT de Brasília escolheria seu candidato ao governo. Agnelo disse que estavam bem, seus adversários estavam desesperados. Em resposta, Dias afirmou que ele e o major da PM Cirlândio Martins dos Santos trabalhavam para sua candidatura nas prévias do PT em várias cidades-satélite de Brasília. Na disputa, Agnelo derrotou Geraldo Magela, hoje secretário de Habitação do Distrito Federal.
Em outra gravação, Dias informa Agnelo sobre o resultado de uma pesquisa eleitoral em que ele ultrapassara o ex-governador Joaquim Roriz. ÉPOCA ouviu de integrantes da campanha de Agnelo que, mesmo depois de sua prisão, Dias teve papel importante nas eleições. A campanha de Weslian Roriz – mulher de Roriz, que o substituiu na disputa – mostrou na TV um dos delatores do envolvimento de Agnelo nas fraudes no Ministério do Esporte. Isso teve impacto na campanha do ex-ministro. Quem deu a solução foi Dias: com poder de persuasão, ele convenceu uma tia da testemunha a desqualificar seu depoimento na televisão. Mais tarde, a tia foi agraciada com um emprego no governo. No novo governo, Dias foi beneficiado. Indicou seu melhor amigo, Manoel Tavares, para a presidência da Corretora BRB, o banco do governo do Distrito Federal.
O governador e ex-ministro Agnelo Queiroz respondeu por escrito a 13 perguntas feitas por ÉPOCA. Ele afirma que o inquérito da Polícia Civil é montado. “O inquérito foi uma tentativa de produção de um dossiê para inviabilizar a (minha) candidatura”, diz Agnelo. “A origem do inquérito infelizmente foi direcionada por uma parte da Polícia Civil, ainda contaminada pelas forças políticas do passado. Uma farsa.” Agnelo diz que ele e João Dias eram “militantes da mesma agremiação partidária, ambiente em que surge o conhecimento” e que é “fantasiosa” a afirmação de que acolheu “indicação de João Dias para cargos no governo”.
Apesar de continuar na Polícia Militar, Dias tornou-se um próspero empresário. Em outro relatório da polícia em poder da Justiça Federal, de número 022/2010, gravações telefônicas mostram que Dias é o verdadeiro dono de academias de ginástica registradas em nome de laranjas. “Tal fato é um forte indício de que João Dias está utilizando as academias para ‘lavar’ o dinheiro oriundo de supostos desvios de verbas públicas”, diz o relatório policial. Dias tem quatro carros importados. O mais vistoso é um Camaro laranja, 2011, importado do Canadá em julho. Em entrevista a ÉPOCA, ele afirmou que adquiriu o Camaro numa transação comercial. O veículo está registrado em nome do motorista Célio Soares Pereira. Célio é o empregado de Dias que diz ter entregado dinheiro no carro do então ministro Orlando Silva na garagem do Ministério do Esporte.
Em depoimento à Polícia Federal, Dias mudou sua versão sobre a entrega de dinheiro a Silva. Ele disse que era “muito pouco provável que o ministro (Orlando Silva) não tivesse visto a entrega dos malotes (de dinheiro)”. Diferentemente de Dias, Geraldo Nascimento de Andrade – principal testemunha de acusação contra Agnelo Queiroz sobre desvio de dinheiro do Ministério do Esporte – confirmou, em todos os depoimentos, ter pessoalmente entregado R$ 256 mil a Agnelo. Em um vídeo a que ÉPOCA teve acesso, Andrade descreve com detalhes como fez dois saques no Banco de Brasília, transportou e entregou o dinheiro ao atual governador.
Andrade sabe mais. Na gravação, ele liga as fraudes no Esporte ao Ministério do Trabalho. Andrade afirma que notas frias foram usadas para justificar despesas fictícias em convênios do programa Primeiro Emprego. O maior convênio apontado por Andrade, de R$ 8,2 milhões, foi firmado com a Fundação Oscar Rudge, do Rio de Janeiro. Andrade, que morava em Brasília, afirma ter ido ao Rio de Janeiro para sacar dinheiro da conta de um fornecedor da fundação, uma empresa chamada JG. Ele diz que passava os valores para representantes da entidade. A presidente da fundação, Clemilce Carvalho, diz que a JG foi contratada por pregão e prestou os serviços. Filiada ao PDT, mesmo partido do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, ela foi candidata a deputada federal em 2006. Lupi está ameaçado de perder o emprego na reforma ministerial, planejada para o início de 2012. Os ministérios do Esporte e do Trabalho têm, em comum, o fato de ser administrados há anos pelos mesmos partidos da base de apoio ao governo federal. O modelo dá sinais de que começa a ruir.
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