“A Copa é no Brasil, mas não é para os brasileiros”
Para o jornalista Jorge Kajuru, a Copa do Mundo
de 2014 no Brasil é um evento para turistas. E quem vai pagar a conta é o
brasileiro
15/09/2011
Danilo Augusto
da Radioagência NP
Jorge Kajuru - Foto: Reprodução |
O
Brasil será sede da Copa do Mundo de 2014. Desde 2007, quando o país
foi escolhido como sede do mundial, vários questionamentos surgiram em
torno desse evento.
Em entrevista a Radioagência
NP – parceira do Brasil de Fato – o jornalista Jorge Kajuru afirma que o
país tem plenas condições e estrutura para realização do evento. Porém,
relata que o problema da Copa ser no Brasil está relacionado “à crise
moral dos representantes.” Ele critica o financiamento através de
dinheiro público do BNDES no evento e pede mais postura da presidenta
Dilma sobre o tema. Para Kajuru, a Copa é no Brasil, mas não é para os
brasileiros. E acrescenta: “É uma Copa para turistas. Quem vai pagar a
conta é o brasileiro, vai sair do imposto”.
Conhecido
por sua coragem de enfrentar os cartolas do futebol, Kajuru também
detalha a relação entre a Federação Internacional de Futebol (Fifa) e o
presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Ricardo
Teixeira, a qual ele descreve como “ladrões públicos do futebol
mundial.” O jornalista também acusa a Rede Globo. “O Ricardo Teixeira
também é intocável pela proteção da Rede Globo de Televisão”. Segundo
ele, a emissora é sócia em negócios envolvendo futebol, principalmente,
monopólio e exclusividade de transmissões. Leia a seguir a entrevista.
O Brasil será sede da Copa do Mundo de Futebol de 2014. Como você avalia a realização deste evento em nosso país?
Jorge Kajuru –
Não sou contra a Copa do Mundo no Brasil. O país tem condições e
estrutura. O problema da Copa ser aqui não é estrutural, e sim, de crise
moral. Vão roubar de nós brasileiros, pagadores de impostos, porque
sairá de forma pública a maior parte do dinheiro gasto na Copa do Mundo.
O governo federal, em pleno o governo do presidente Lula, teve que
assinar um documento no qual a Fifa ganhará todo o dinheiro da Copa sem
pagar qualquer centavo de tributos. A Fifa aceitou o Brasil como sede da
Copa tendo essa condição como base de negócio. Todo dinheiro faturado
aqui ela (Fifa) vai levar para a Suíça e fazer a divisão entre os
ladrões públicos do futebol mundial.
Você já declarou que vai torcer contra a seleção brasileira na Copa. Por quê?
Vou
torcer contra o Brasil na Copa de 2014. Também vou rezar para que na
final o Brasil esteja, e que, exatamente na final, o Brasil perca de
forma vergonhosa. E que haja, no Maracanã, com o segundo maracanasso, um
linchamento público verbal contra a fi gura do senhor Ricardo Teixeira.
O estádio inteiro em eco para que ele criasse vergonha na cara e
deixasse a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e também o Brasil, e
se juntasse ao seu bando e quadrilha lá da Suíça.
A
realização da Copa demanda um investimento financeiro muito alto.
Grande parte vem por meio do financiamento do BNDES. Você é a favor de
financiamento público em um evento, que como você disse, terá o lucro
dividido em meios privados?
A Copa é no
Brasil, mas não é para os brasileiros. É uma Copa para turistas. Quem
vai pagar a conta é o brasileiro, vai sair do imposto. O BNDES já
colocou R$ 4,8 bi na Copa. Até 2014 pode dobrar esse valor. O mais grave
é que quando foi definido o Brasil como sede da Copa, fi cou
estabelecido de forma pública, para todos os brasileiros – nas palavras
do então presidente Lula e do Ricardo Teixeira – que não se gastaria
nenhum centavo público para Copa do Mundo, que todas as despesas seriam
privadas. O governo e o Ricardo Teixeira mentiram, foram canalhas.
E como você avalia o papel da presidenta Dilma neste processo?
O
que ela disse foi o mais grave. A presidente Dilma afirmou que não
poderia divulgar os valores fi nanceiros gastos pelo governo até 2014,
que eram informações sigilosas. Isso é revoltante. Qualquer brasileiro
minimamente sério, qualquer jornalista minimamente descente e qualquer
veículo de comunicação minimamente ético teriam que cobrar da presidente
essa postura lamentável. Não pode gastar dinheiro público e não
informar e divulgar para onde foi.
Manifestantes pedem saída de Ricardo Teixeira na avenida Paulista
Foto: Guilherme Zocchio
|
Recentemente,
o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, recebeu uma série de acusações.
Mesmo assim, ele continua impune. Por que essas acusações não surtem
efeito internacionalmente, dentro da Fifa?
O
Ricardo Teixeira é blindado porque ele faz parte da quadrilha da Fifa.
Ele é intocável porque é sócio do Joseph Blatter [presidente da Fifa] e
protegido por João Havelange, presidente de honra da Fifa e dono da
máfia do futebol internacional. Havelange e Ricardo Teixeira são donos
da Traffic – a empresa que detêm os direitos internacionais de venda de
transmissão de futebol para veículos de comunicação do mundo inteiro. A
Traffic não é do jornalista Jota Ávila. O Jota é “laranja” do Havelange e
do Ricardo, a imprensa esportiva sabe disso é ignora de forma
vergonhosa.
E no âmbito nacional, por que nada acontece?
Primeiro
porque o povo brasileiro não tem coragem de protestar. O povo
brasileiro é uma decepção no que se refere a protesto contra coisas
públicas horríveis. Ninguém tem coragem de falar isso, falar isso é
brigar com o povo, mas não faço média com o povo. Amo o povo porque é a
maior celebridade deste país, é feliz recebendo um salário mínimo de R$
600. Mas não vou dizer que o povo tem cultura de protesto. O Ricardo
Teixeira também é intocável pela proteção da Rede Globo de Televisão. A
Globo é sócia em negócios envolvendo futebol, principalmente monopólio e
exclusividade de transmissões. Isso se chama ditadura da audiência.
Mas a Globo não vende direitos de transmissão para a Bandeirantes?
A
Band não paga pelos direitos de transmissão. Ela é presenteada pela
Rede Globo desde que, editorialmente, cumpra as mesmas regras da Globo
para com o Ricardo Teixeira.
Muitas
pessoas defendem que a CBF teria uma melhor gestão se as eleições
fossem mais democrática, com participação popular. Você concorda com
essa proposta?
Tudo isso não passa de
uma fantasia neste Brasil dirigido e presidido por quem é. O PT fará com
que a CBF se perpetue com esses mesmos canalhas que estão lá. Embora o
ex-presidente Lula – nas eleições de 2002 – tenha prometido que tiraria o
Ricardo do comando do futebol brasileiro e que abriria a caixa da CBF.
Foi mentira dele. No primeiro mês de governo ele já era melhor amigo do
Teixeira. Ninguém é amigo do Teixeira sem que financeiramente tenha
nenhum benefício. Portanto, o PT como partido político deve ter ganhado
muita grana do futebol brasileiro – da CBF. É um sonho essa história de
eleição direta, do povo votando.
E
qual a participação das federações, dos clubes e da Rede Globo nesse
processo de permanência do Ricardo Teixeira dentro da CBF?
As
federações são Ricardo Teixeira. Já nos clubes isso não acontece mais.
Na última votação para escolher o presidente do Clube dos 13, a CBF e a
Rede Globo tomaram uma derrota vergonhosa. Eles queriam uma vitória do
Cleber Leite contra o Fábio Koff. E como isso não aconteceu, o São Paulo
foi punido, o Morumbi foi punido e não será sede de abertura da Copa do
Mundo. O Ricardo Teixeira, ao lado do seu amigo Andrés Sanchez –
presidente do Corinthians – não quiseram. Se o país fosse sério, Andrés e
Ricardo Teixeira estariam presos. É por isso que agora a Rede Globo
quer tirar o Fábio Koff do comando dos 13 e ameaça acabar com o Clube e
montar uma Liga Nacional para mandar mais ainda no futebol brasileiro.
Recentemente,
a Rede Record entrou na disputa com a Globo para transmitir jogos do
campeonato Brasileiro. Essa quebra de monopólio seria boa para o
futebol?
Não existe nenhuma diferença na
maneira em que Record e Rede Globo cresceram e se transformaram em
império. A Globo nasceu de um escândalo chamado Time Life e a Record se
transformou em império com dinheiro de fiéis. Acrescente, além do
monopólio, a expressão ditadura de audiência. Mesmo não havendo
diferença, também na parte editorial, é preciso reconhecer que a
proposta da Record é três vezes maior. E ainda, a Record garantia que o
jogo, em sua grade de programação, seria às 20h e não às 22h. Hoje,
ainda temos que esperar a novela acabar para começar um jogo. Pior,
esses jogos acabam meia noite ou 1h quando já não tem mais transporte
público. Isso é um absurdo, um crime. Tudo ficou na mesma e seja o que
Deus quiser.
Qual o papel da Rede Globo e dos veículos de comunicação no Brasil para que essas mazelas do futebol se perpetuem?
O
papel da Globo é somente o dinheiro. Quanto ao papel dos demais
veículos de comunicação deveria ser o jornalismo. A imprensa foi feita
para servir o povo, e não se servir do povo. E o que acontece com a
maior parte da imprensa, nesta questão que estamos debatendo aqui, é que
a imprensa está se servindo do povo. São raras as exceções que não
fazem isso, como a ESPN, o jornal o Lance. Também existem alguns
jornalistas independentes, como o Juca Kfouri. Poucos veículos ousam
falar de Ricardo Teixeira. O problema é que as grandes empresas
brasileiras também são amigas do senhor Teixeira. E são todas calhordas
quanto Ricardo Teixeira essas grandes agências de publicidade, esse
monopólio de grandes empresas que só anunciam em veículos que não
praticam o jornalismo esportivo independente, investigativo, sério e
decente. É mais que uma máfia, é um cartel.
Muitas pessoas te classificam como um pessimista e inimigo do futebol. Você realmente gosta deste esporte?
Tem
pessoas que me consideram um crítico, um louco, um do contra e um
pessimista. Eu amo o futebol nas quatro linhas. Quem não vai gostar de
um drible do Neymar [Santos Futebol Clube]? Uma bela jogada e um passe
de calcanhar do jogador Ganso [Santos Futebol Clube] e do Lucas [São
Paulo Futebol Clube]? Ninguém vai me fazer deixar de gostar, de ver e de
falar bem do bom futebol. Vou defender e aplaudir jogadores e
treinadores acima da média. Agora não queiram que eu dê uma entrevista e
que deixe de falar em relação a essa escumalha que comanda o futebol
brasileiro. Se eu não denunciasse isso eu não seria um jornalista, e
sim, um picareta e assessor do Ricardo Teixeira. Mas o futebol dentro de
campo é minha paixão e alegria. (Ouça o áudio desta entrevista na Radioagência NP)
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